O início do mês de junho marca o fim da quadra chuvosa no Ceará que, neste ano, foi a melhor em 15 anos. Entre 1º de fevereiro a 31 de maio, período que marca as precipitações, choveu 754.4 milímetros (mm) no Estado, conforme balanço parcial da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). O acumulado deste ano fica atrás apenas do ano de 2009, quando a região registrou 966.7 mm no período.
O Estado encerrou a estação com 23.8% das chuvas acima da média. Os índices pluviométricos divergem, inicialmente, com o primeiro prognóstico da Funceme divulgado em janeiro, pré-quadra chuvosa. Na época, o órgão apontou para um cenário mais negativo para o período, com a previsão de 45% de chuvas abaixo da média entre fevereiro e abril de 2024.
Diferente do cenário anterior, um novo prognóstico da instituição, em abril, apontava, no entanto, para uma previsão mais positiva para o período entre abril e junho, com 40% de probabilidade de chuvas dentro da média. Os meses de abril e maio são os dois últimos meses de quadra chuvosa, enquanto junho costuma receber precipitações pós-quadra.
A previsão dos dois prognósticos apontavam para uma tendência de uma estação chuvosa mais curta e irregular para o Ceará, com alta variabilidade espacial e temporal na distribuição. Os principais acumulados de chuva foram apontados para os meses de fevereiro e março, sendo mais irregulares em abril e em maio, o que foi confirmado.
Nos meses de fevereiro e março choveu 464 mm, com 41.5 % acima da média, enquanto nos meses de abril e maio, o Estado acumulou 305 mm, com 8.7% acima da normal histórica de 281.4 mm, conforme dados preliminares da Funceme. As informações ainda mostram que o índice médio das precipitações da estação chuvosa deste ano superou em cerca de 14% os números do mesmo período de 2023, quando o acumulado fechou em 644 mm.
No balanço mensal, o maior acumulado ficou em março, com 233.3 mm e 13% acima da média para o período (206.5 mm); o segundo maior volume acumulado ficou em fevereiro, com 230.7 mm, posteriormente abril, com 226.1 mm, e maio, com 78.8 mm, último período que ficou abaixo da média esperada, com 13% abaixo da média. Os meses de março e abril ficaram 13% e 18.6% acima da média, respectivamente.
Nos quatro meses da quadra, seis macrorregiões do Estado encerram o período com volumes considerados “acima da média”. São elas Cariri (789,4), Jaguaribana (721 mm), Litoral de Fortaleza (1199,9 mm), Litoral do Pecém (979,3 mm), Litoral Norte (1108 mm), Maciço de Baturité (872,4 mm). Em outras duas, acumulo é classificado “dentro da média”. Foi o caso de Ibiapaba (723,6 mm) e Sertão Central e Inhamuns (581,7 mm).
A mudança entre o prognóstico e a realidade ocorreu, segundo especialistas em climatologia, em função da dispersão do El Niño no Nordeste, fenômeno que aumenta a tendência de estiagem e que se instalou desde junho do ano passado, mas que quando disseminado contribui para alta das precipitações nas regiões. O outro fator está relacionado às alterações das condições oceânicas no Atlântico Tropical Sul.
O climatologista Alexandre Costa, professor na Universidade Estadual do Ceará (Uece), avalia que o maior peso para a mudança do prognóstico e, consequentemente, o resultado de uma boa quadra chuvosa é consequência do aquecimento do Oceano Atlântico Sul, o que não era observado desde 1950.
“O mais provável é que o suprimento de umidade do oceano sul aquecido proporcionou a mudança do cenário da quadra chuvosa, e é o principal fator responsável pela qualidade da estação”, disse Alexandre.
Ainda segundo o climatologista, é preciso observar que o clima atual não é o mesmo de anos atrás e que as previsões para as estações chuvosas devem levar em consideração esse cenário. Nas previsões chuvosas, ele destaca que são utilizados dois modelos: os estatísticos e os dinâmicos.
No modelo estatístico, a previsão é feita com base no comportamento da atmosfera e do oceano no período passado, onde o modelo insere qual o comportamento, ou seja, a previsão dos meses seguintes baseado nesse comportamento anterior. O climatologista afirma que o modelo não deve ser utilizado visto que o clima não é o mesmo do passado e que as previsões não podem ser baseadas nesse contexto.
No modelo dinâmico, as previsões são baseadas nas leis da física e de acordo com a atmosfera. “Você consegue ter uma representação dos processos físicos reais. Só mesmo os modelos dinâmicos vão poder dar conta da possibilidade de fazer previsão climática sazonal nesse contexto de mudança do clima”, pondera.
O meteorologista e pesquisador do clima, José Maria Brabo, avalia que, em virtude do enfraquecimento a partir de fevereiro do El Niño, que se instalou no Nordeste em junho passado e estava previsto para permanecer até os seis primeiros meses deste ano, favoreceu a formação de nuvens a partir de fevereiro no litoral do Nordeste. “A gente não esperava chuvas mais abundantes, mas um dos fatores foi esse enfraquecimento”, disse.
O pesquisador também explica que quando tem um El Niño forte é esperado menos chuvas, onde o cenário é mais positivo para a estiagem, o que não aconteceu. “Isso está relacionado à questão das mudanças climáticas. A gente teve uma estação que não era esperada. É preciso ainda avaliar, mas o que aconteceu foi algo atípico”, comenta.
Em avaliação parcial, a Funceme disse que as alterações das condições oceânicas no Atlântico Tropical Sul, principalmente, foram o maior fator para a ocorrência dos acumulados acima da normalidade durante a estação chuvosa de 2024. O órgão destacou que, entre fevereiro e abril, as temperaturas das águas nessa parte do oceano aumentaram cerca de 0.8ºC, alcançando um desvio de 1.4ºC em relação à média para o período.
De acordo com a Funceme, o valor nunca havia sido observado desde 1950. “O aquecimento do Atlântico Tropical se mostrou expressivo, contribuindo para a convergência de umidade em baixos níveis da atmosfera e transporte desta para o continente nordestino. Reforça-se ainda que prognósticos climáticos apontam todas as categorias possíveis, não sendo assim uma estudo determinístico, mas sim probabilístico”, disse.
Os dados consolidados da quadra chuvosa de 2024 no Ceará serão apresentados em coletiva de imprensa na próxima semana pela Funceme em conjunto com demais órgãos, entre eles a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) e a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH).
Com as chuvas acima da média, conforme dados preliminares, o Ceará completará o sétimo ano sem seca, depois de um período de cinco anos com poucas chuvas. Atualmente, os açudes estão no melhor nível para esta época do ano desde 2012, primeiro ano da mais longa seca da história do Estado.
(O POVO)